Enquadramento da Prática da Terapia Ocupacional

EPTO -Enquadramento da Prática da Terapia Ocupacional

O EPTO é um instrumento de avaliação, unicamente utilizado por terapeutas ocupacionais, com o objectivo de constituir um "guia" de intervenção.



Áreas da Ocupação

É necessário verificar quais as áreas da ocupação da criança autista e aquelas que lhe causam problemas.

Uma criança com autismo, assim como qualquer outra criança, está envolvida em diferentes áreas ocupacionais:



No entanto, e devido às suas características (ver características), uma criança autista está mais propensa a um défice no desempenho de cada uma destas áreas, sendo as AVDI’s e as áreas da educação, do brincar, do lazer e da participação as mais afectadas.

Um bom desempenho destas áreas requer aspectos como a interacção da criança com o meio, a expressão de interesses, sentimentos e comportamentos sociais. Contudo, as crianças autistas têm dificuldades ao nível do relacionamento e comunicação com as outras pessoas, daí o facto do desempenho nestas áreas ocupacionais ser deficiente.


Competências de Desempenho
Analisar o que a criança já faz e aquilo que ainda não consegue fazer é um exercício essencial para que, posteriormente, possa ser criado um plano de intervenção que vise a utilização dos seus pontos fortes como forma de contornar os pontos negativos, com o objectivo de os melhorar.
As competências de desempenho dividem-se em: competências motoras, competências de processo e competências de comunicação/interacção.

A criança autista tem sempre as competências de desempenho afectadas, mas a sua prevalência numa determinada área ou noutra é muito variável, consoante os diferentes níveis de autismo. No entanto, as competências que mais necessitam de um melhoramento são as competências de processo e as comunicação/interacção, pois uma das características principais do autismo é o seu comportamento social.

As competências de processo envolvem todo um conjunto de acções necessárias para satisfazer uma tarefa diária. Neste tipo de competências, é avaliado como inicia, sequencia e termina uma tarefa; se presta atenção á actividade; a maneira como escolhe, utiliza, manuseia, organiza e arruma os materiais; e a forma como se adapta caso ocorra algum erro no desempenho da tarefa.
Por exemplo, através de jogos de construção (legos ou puzzles, por exemplo) podemos avaliar este tipo de competências. Para desempenhar estas actividades com sucesso, o terapeuta ocupacional avalia a forma como inicia e sequencia a construção de jogo, como organiza e manuseia as peças do jogo, como reage caso algo corra mal, como interpreta as indicações do terapeuta e se consegue prestar atenção durante toda a actividade.

As competências de comunicação/interacção são aquelas relativas á interacção que a criança demonstra perante o meio, á troca de informação e á forma como se relaciona com os outros. Através da actividade descrita no parágrafo anterior, o terapeuta ocupacional pode avaliar estas componentes interagindo com a criança durante a actividade (Ex: A criança coloca um cubo numa plataforma e o terapeuta coloca outra a seguir). Também é pertinente observar o contacto ocular, a gesticulação, o posicionamento e orientação do seu corpo durante uma actividade.

Padrões de Desempenho
Outro dos aspectos relacionados com o envolvimento nas ocupações que os terapeutas ocupacionais analisam são os padrões de desempenho. Num indivíduo autista, estes têm um papel preponderante, visto que outra das suas características principais é a clareza dos hábitos e rotinas, o que significa que fazem tudo da mesma maneira, todos os dias. São inflexíveis a alterações das suas rotinas, uma vez que perdem o controlo de situações novas.
Portanto, é necessário obter conhecimento sobre os seus hábitos e rotinas do dia-a-dia pois interferem de forma decisiva no desempenho das áreas de ocupação..

Contextos e os seus Requisitos de Avaliação

É competência de um terapeuta ocupacional reconhecer que o envolvimento em ocupações por parte da criança autista depende dos contextos em que ela se insere. Quando o terapeuta ocupacional tenta entender as competências e os padrões de desempenho, considera sempre os contextos específicos que rodeiam o desempenho do indivíduo.

As ocupações da vida de uma criança ocorrem essencialmente em dois contextos fundamentais: casa e escola. E a criança autista não é excepção.

Tanto na escola como em casa, é importante avaliar o espaço físico onde a criança está inserida. Espaços amplos, com os materiais organizados e arrumados, uma boa iluminação e ausentes de ausência de possíveis ruídos que perturbem a sua atenção são exemplos de características que influenciam o desempenho da criança autista.

As crianças com autismo apresentam dificuldades em filtrar e descartar informações sensoriais, o que pode levar a possíveis distracções por vários sons, imagens, texturas e cheiros. A simplificação do ambiente sensorial da criança é uma forma de ela focar melhor as interacções sociais e treinar novas competências.




CIF

CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

A CIF é um método de avaliação que pertence à classificação internacional desenvolvida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Estas classificações proporcionam um sistema que inclui uma vasta informação sobre saúde, utilizando uma linguagem universal, permitindo a comunicação entre várias disciplinas e ciências em todo o mundo. O principal objectivo da CIF é estabelecer o perfil de funcionalidade do indivíduo, identificando todas as competências funcionais e limitações deste. Assim, a CIF completa o CID-10 que fornece informação com base etiológica.

Organização da CIF




Planificação da Avaliação

A avaliação é realizada por uma equipa pluridisciplinar e envolve três fases distintas:

- Recolha de informação pertinente;
- Análise conjunta da informação;
- Tomada de decisão.

Esta equipa pluridisciplinar pode ser constituída por docentes do departamento de Educação Especial, professores de turma ou disciplina, elementos do serviço técnico-pedagógico de apoio aos alunos e profissionais de saúde como terapeutas ocupacionais, psicólogos, fisioterapeuta, pedopsiquiatra e terapeuta da fala. Os pais ou encarregados de educação também fazem parte destas equipas tendo um papel muito importante no processo de avaliação e intervenção.


CIF – Crianças e Jovens

Recentemente foi desenvolvida uma classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde dirigida para crianças e jovens (CIF-CJ) uma vez que as crianças e jovens têm formas de funcionamento diferentes dos adultos pois apresentam ambientes e áreas de participação diferentes. Esta classificação visa documentar o perfil intra-individual da criança na saúde e funcionalidade classificando-o através do CID e o CIF em conjunto e permite gerar planos de intervenção ou tratamento. No entanto, a CIF-CJ ainda não tem sido muito utilizada em Portugal, mas começa a ter aplicações.




Check Lists



Childhood Autism Rating Scale (CARS):

Consiste em 15 questões de diferentes áreas apropriadas para crianças com mais de 24 meses de idade. As questões centram-se nos três aspectos fulcrais do autismo e são classificadas numa escala de 7 pontos para cada um dos itens, do normal à anomalia severa do comportamento, nos quais os resultados dependem das características pessoais da criança e dividem-se em três categorias: não autismo, autismo moderado e autismo severo (Lippi, 2005; Marques, 1998; Pereira, 1996).

Checklist for Autism in Toddlers (CHAT):

Tem duas secções, a primeira é uma escala de 9 questões sim/não para pais, e 5 itens de observação que são preenchidos pelo médico. É aplicado a crianças de cerca de 18 meses com elevado risco genético, pois permite um diagnóstico precoce deste tipo de perturbações (Golse, Haag &Bullinger, 2000; Gillberg, Merdin, Ehlers, 1996; Lippi, 2005; Pereira, 1996). Tem como itens: o jogo intencional, apontar prodeclarativo (usar o apontar apenas para obter aquilo que pretende, sem intenção de mostrar ou partilhar algo de interessante), atenção partilhada, interesse social, jogo social.
Parece não ser apropriado ao espectro mais amplo das PEA.

Autism Behaviour Checklist (ABC):

Tem como objectivo diferenciar crianças autistas de outras com deficiência mental severa, cegas-surdas e com perturbações emocionais (Marques, 1998; Lippi, 2005).
Consiste em 57 descrições de comportamento, subdivididas em 5 áreas sintomáticas: sensorial, interacção, uso de objectos e conhecimento corporal, linguagem e sociabilidade.
A análise tem como suporte 1049 checklists de indivíduos autistas dos 18 meses aos 35 anos (Marques, 1998).

Autism Diagnostic Interview (ADI):

É a mais adequada para a confirmação do diagnóstico clínico inicial do autismo (Lord, 1994).
É composta por um questionário dirigido aos pais que fornece um quadro detalhado do desenvolvimento em três áreas: linguagem e comunicação, desenvolvimento social e jogo (Lippi, 2005).

Gilliam Autism Rating Scale (Gars):

Esta escala permite identificar e diagnosticar o autismo, fornecendo uma classificação quantitativa e qualitativa quanto à probabilidade do sujeito ser autista. Também pode ser utilizada na avaliação de problemas comportamentais graves. Inclui quatro subtestes: comportamentos estereotípicos, comunicação, interacção social e problemas de desenvolvimento.

Autism Diagnostic Observation Schedule – Generic (ADOS-G):

É um teste de observação usado para identificar comportamentos sociais e de comunicação atrasados. É constituído por 4 módulos diferentes, graduados de acordo com o nível da linguagem e do desenvolvimento.





TPBA

TPBA – Avaliação Transdisciplinar Baseada no Jogo



O modelo TPBA foca-se no que a criança mais gosta de fazer - o brincar e as actividades mais significativas. Esta avaliação deve ser realizada por uma equipa que vai trabalhar no sentido de um esforço cooperativo. É necessário envolver os pais e os educadores da criança. As vantagens são inúmeras para todos os intervenientes. Para a criança, a situação torna-se muito mais divertida e para os pais, o processo tem muito mais significado e torna-se menos frustrante.

Assim, a avaliação baseada no brincar envolve a criança nas situações de jogo estruturadas, ou não, pelos pais ou profissionais. A criança é observada durante um determinado período de tempo a brincar com um facilitador que pode ser um profissional da equipa ou um dos pais. O facilitador deve comentar a acção da criança, modular os estímulos, usar tempos de espera, introduzir o turn-taking, promover a interacção social, provocar acontecimentos interessantes, ajudar a criança a criar estratégias para resolver problemas e equilibrar a experimentação, demonstração e orientação.





Relatório do T.O.

Mas afinal o que é importante referir no relatório do Terapeuta Ocupacional?


Para finalizar o processo de avaliação da criança, tendo como base o Enquadramento da Prática da Terapia Ocupacional (EPTO) e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), o Terapeuta Ocupacional constrói o seu relatório de avaliação.



O Terapeuta Ocupacional deve incluir no seu relatório o perfil ocupacional da criança, o qual descreve a sua situação familiar e médica e identifica as suas necessidades e os seus problemas e as preocupações dos pais relativamente às suas ocupações e desempenho nas actividades que são mais significativas para a criança. Após a análise do desempenho da criança, pela observação do seu brincar em contexto, onde são observadas as competências motoras (relacionadas com o movimento e interacção com a tarefa, objectos e ambiente da criança), as competências de processo (utilizadas na gestão e modificação de acções necessárias para realizar a uma tarefa da vida diária) e as competências de comunicação/interacção (requeridas para a transmissão de intenções e necessidades e coordenação do comportamento social para interagir com as pessoas), o terapeuta é capaz de identificar o que suporta e o que inibe o desempenho da criança. Assim, é importante identificar as suas limitações e de que forma vão comprometer o desempenho significativo desta.

Após a identificação das capacidades de desempenho da criança, ou seja, os seus pontos fortes, e das suas limitações, o relatório deve conter as recomendações de intervenção pelo terapeuta ocupacional para trabalhar com a criança. As recomendações são elaboradas de forma a trabalhar as incapacidades da criança, a partir das competências que esta apresenta. Pelo que já capaz de desempenhar, a criança estará pronta para realizar novas actividades.

A elaboração deste relatório de avaliação é essencial para a fundamentação e planeamento do processo de intervenção pelo terapeuta ocupacional.



EPTO : ESTS-IPP: Departamento de Avaliação e Intervenção Terapêutica, Enquadramento da Prática da Terapia Ocupacional: Domínio e Processo, 2002

CIF: Organização Mundial da Saúde (2004). Manual da Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Lisboa: Direcção-Geral da Saúde.